O uso de algemas é um dos temas mais sensíveis e frequentemente debatidos na atividade policial. Embora seja um instrumento fundamental para o trabalho das forças de segurança, sua utilização precisa seguir critérios específicos para evitar questionamentos legais e possíveis responsabilizações do agente público.
A primeira e mais importante questão a ser compreendida é que o uso de algemas constitui medida excepcional, não uma regra. Esta determinação não surge do acaso – ela reflete um amadurecimento institucional e jurídico sobre o tema, especialmente após a edição da Súmula Vinculante nº 11 pelo Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu parâmetros claros para sua utilização.
Segundo o entendimento consolidado, existem três situações principais que justificam o uso de algemas: resistência do detido, fundado receio de fuga ou perigo à integridade física (seja do próprio detido, dos agentes ou de terceiros). No entanto, apenas enquadrar a situação em uma dessas hipóteses não é suficiente – é necessário fundamentar adequadamente a decisão pelo uso das algemas.
Um erro comum na prática policial é acreditar que basta mencionar a Súmula 11 do STF para justificar o uso de algemas. Seria o mesmo que fundamentar uma prisão em flagrante apenas citando o artigo do Código Penal, sem descrever as circunstâncias do fato. A justificativa precisa ser específica e detalhada, relacionando os fatos concretos com as hipóteses legais que autorizam o uso do equipamento.
Na prática, isso significa que o policial deve documentar precisamente as circunstâncias que o levaram a decidir pelo uso das algemas. Por exemplo, se houve resistência, é fundamental descrever como ela se manifestou – se o detido investiu fisicamente contra a guarnição, se tentou agredir os policiais ou se demonstrou comportamento que indicasse risco iminente de confronto. Vale ressaltar que mera desobediência (resistência passiva) não se confunde com resistência ativa e, por si só, não justifica o uso de algemas.
Quando o fundamento for receio de fuga, é necessário apontar elementos concretos que indiquem essa possibilidade. Uma tentativa anterior de fuga durante a mesma ocorrência, por exemplo, é um forte indicativo da necessidade de uso de algemas. Da mesma forma, quando se tratar de proteção à integridade física, o policial deve descrever quais circunstâncias específicas geraram essa preocupação.
É importante destacar que o uso irregular de algemas pode gerar consequências tanto na esfera administrativa quanto na criminal. No âmbito administrativo, a maioria dos procedimentos disciplinares relacionados ao tema decorre não do uso em si, mas da falta de justificativa adequada. Já na esfera criminal, com o advento da nova Lei de Abuso de Autoridade, o uso irregular de algemas pode configurar crime, desde que presente o dolo específico de constranger ou submeter alguém a situação vexatória.
Nos casos de crimes violentos, como roubos à mão armada ou crimes contra a vida, a própria natureza do delito pode servir como elemento para justificar o uso de algemas, mas é fundamental estabelecer a correlação entre o histórico violento e o risco atual. Não se trata de uma autorização automática – ainda é necessário avaliar as circunstâncias específicas de cada caso.
A realidade do trabalho policial, no entanto, nem sempre permite situações ideais. Problemas estruturais, como a falta de locais adequados para custódia temporária ou efetivo reduzido, podem criar dilemas práticos para os agentes. Nesses casos, é ainda mais importante documentar detalhadamente as condições e limitações enfrentadas, justificando as decisões tomadas dentro do contexto operacional disponível.
O ponto crucial para o policial é compreender que o uso de algemas, quando necessário e devidamente justificado, é um ato legal e legítimo. A chave está na capacidade de avaliar corretamente as situações e documentar de forma apropriada as justificativas. Não se trata apenas de uma formalidade burocrática, mas de uma garantia tanto para o agente público quanto para o cidadão sob custódia.
Em suma, o uso de algemas é uma ferramenta importante para a segurança de todos os envolvidos na atividade policial, mas sua utilização deve ser pautada pela excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade, sempre com a devida fundamentação. O policial que compreende esses princípios e os aplica adequadamente está não apenas cumprindo a lei, mas também contribuindo para uma atuação policial mais profissional e respeitosa com os direitos fundamentais.