Completando um ano de vigência, o Decreto Estadual 57.390, publicado em dezembro de 2023, ainda gera muitas dúvidas entre os militares estaduais do Rio Grande do Sul. Embora tenha trazido importantes avanços na regulamentação das movimentações, especialmente no que diz respeito aos procedimentos, o decreto mantém significativas restrições às transferências por interesse do militar.
Uma das inovações mais significativas – e positivas – é a regulamentação do Banco de Intenção de Transferência (BIT). Este sistema permite que os militares registrem seus pedidos de movimentação de forma organizada e transparente, representando um avanço em relação ao sistema anterior. No entanto, é importante ressaltar que o registro no BIT não garante a transferência, que continua subordinada a critérios muitas vezes restritivos da administração. Mas, o ganho vem da regulamentação do BIT via decreto, o que garante mais segurança jurídica para os militares.
Uma mudança importante trazida pelo novo decreto, e que merece atenção e destaque, está em seu artigo 14, § 7º, que estabelece que “O militar estadual que estiver respondendo a Processo Administrativo Disciplinar Militar, Conselho de Disciplina ou de Justificação ou procedimento investigatório não será transferido antes da conclusão do feito.” Esta previsão impede transferências antes da conclusão dos procedimentos, mas pode ser flexibilizada em situações excepcionais, considerando a natureza e destino da transferência.
A proteção à família, que tinha apenas previsão genérica no Estatuto dos Militares Estaduais (Lei Complementar 10.990/97), ganhou regulamentação especial no novo decreto. Conforme seu artigo 11, o cônjuge militar estadual que for transferido por necessidade do serviço com ônus terá direito, mediante requerimento, a ser movimentado para o mesmo domicílio ou município limítrofe.
No entanto, essa transferência não é automática, devendo observar critérios como as restrições de movimentações estipuladas pela Secretaria da Segurança Pública, as prioridades de segurança pública definidas pelo Comando, as vagas previstas no Quadro Organizacional e o quantitativo de efetivo existente. O decreto também estabelece que, na impossibilidade de atender a transferência para a mesma localidade, poderá excepcionalmente ser definido outro local que atenda à manutenção da unidade familiar. Para requerer este tipo de movimentação, o militar deve apresentar certidão de casamento ou contrato de união estável atualizados, expedidos há no máximo 30 dias.
Além disso, situações específicas de vulnerabilidade, como os casos relacionados à Lei Maria da Penha, receberam atenção especial, garantindo proteção adicional quando necessário.
Os prazos para trânsito e instalação também foram reformulados, trazendo critérios mais objetivos. O período de trânsito agora varia conforme a distância: são dois dias para movimentações até 100 quilômetros e cinco dias para distâncias maiores. Quanto à instalação, o novo decreto padronizou o prazo em 10 dias para todos os militares, independentemente de possuírem dependentes ou não, simplificando assim o processo.
Uma mudança particularmente relevante diz respeito à proteção em situações de risco. O decreto prevê procedimentos específicos para casos em que existe ameaça à integridade do militar ou de seus familiares. Nesses casos, a movimentação recebe tratamento prioritário e pode ser processada de forma sigilosa, sempre com análise da Corregedoria-Geral.
A modernização dos procedimentos administrativos é outro ponto de destaque. As movimentações agora são publicadas em boletins específicos: o BMO para oficiais, o BMP para praças e o BME para situações especiais. Esta organização permite um melhor controle e acompanhamento das movimentações, além de conferir maior transparência ao processo.
Militares em estágio probatório receberam regulamentação específica, com regras claras, embora não mais favoráveis do que era praticado. De acordo com o artigo 13, as movimentações neste período, sejam a pedido, por permuta ou ex-officio, somente podem ocorrer por ato do Comandante-Geral e em situações bem definidas: para manutenção da unidade familiar (nos casos de acompanhamento de cônjuge), para tratamento de saúde própria ou de dependentes, em razão de permuta (observadas as regras gerais desta modalidade), em decorrência de risco excepcional e efetivo à integridade da servidora ou familiares nas situações previstas na Lei Maria da Penha, ou ainda nos casos de classificação de concludentes de curso de formação, quando abrirá um BIT para que os militares já formados manifestem seu interesse em mudar de OPM. Esta regulamentação específica traz maior segurança jurídica ao estabelecer um rol taxativo de hipóteses de movimentação durante o estágio probatório, evitando tanto arbitrariedades quanto pedidos sem embasamento legal.
Em síntese, o Decreto 57.390/2023 representa um avanço parcial na regulamentação das movimentações militares no Rio Grande do Sul. Se por um lado trouxe mais clareza, transparência e algumas regulamentações importantes, por outro manteve um sistema ainda bastante restritivo quanto às movimentações por interesse próprio militar. O desafio que ainda se apresenta é encontrar um equilíbrio mais adequado entre as necessidades da administração militar e os interesses legítimos de seus integrantes.